A crença no conhecimento empírico é tanta até hoje – “quem entende de pantanal são os pantaneiros”, dizem eles – que a região nem começou a ser alagada ainda este ano e já tem muito pecuarista da gigantesca planície, de 52.500 km2 só em Mato Grosso, em plena operação que chamam de “prufirme”, que consiste na remoção do gado das áreas sujeitas a inundações para as partes mais altas das fazendas.
Embora se tenha notícias de grandes enchentes nos distantes anos de 1942 e 1959, a mais devastadora que já atingiu Cuiabá foi a de 1974, que destruiu cinco bairros – Terceiro, Terceiro de Dentro e Terceiro de Fora, Várzea Ana Poupino e Barcelos – e deixou 5 mil pessoas desabrigadas.
Em todo o Estado, a enchente desabrigou 12 mil pessoas e destruiu 2.400 imóveis, causando um prejuízo à época de US$ 10 milhões – revela o engenheiro Hélio César Monti, superintendente regional de Engenharia da Eletronorte em Mato Grosso.
Com a destruição do que restou dos cinco bairros na capital, depois da enchente, o Governo do Estado encampou a construção do Grande Terceiro para abrigar flagelados da cheia na capital, onde as águas do Rio Cuiabá, subindo pela Avenida 15 de Novembro, chegaram até a Igreja de São Gonçalo.
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Muito antes da devastadora enchente de 1974, o Governo Federal já pretendia construir uma hidrelétrica de porte médio em Mato Grosso. O Ministério das Minas e Energia determinou em 1962 que o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) realizasse um estudo nesse sentido para viabilização do projeto.
Os estudos realizados pelo DNPM para a construção de uma hidrelétrica de médio porte em Mato Grosso, identificaram quatro áreas de aproveitamento do Rio Araguaia para abastecer o mercado do leste mato-grossense. Mas o tempo foi passando e o projeto da hidrelétrica para o Vale do Araguaia não decolou.
Em 1964 foi elaborado também um projeto para a represamento das águas do Rio Cuiabá no distrito de Nossa Senhora da Guia para construção de uma hidrelétrica de médio porte, com capacidade para produzir 34 megawatts na primeira etapa e e outros 34 megas na segunda etapa. Mas como o consumo de energia elétrica em Mato Grosso era insignificante, não se justificava um investimento de grande porte no projeto, que acabou abandonado, como aconteceu também com os previstos para o Rio Araguaia..
Diante da decisão do Governo Federal de postergar a obra ou até mesmo de não levar o projeto adiante o projeto por razões de ordem puramente econômica, o Governo do Estado, através da Centrais Elétricas Mato-grossenses – Cemat antecipou-se a União e construiu a Hidrelétrica do Rio da Casca, inaugurada em 1971, com potencial para produzir 10 megawatts.
... E SURGIU MANSO PARA REDENÇÃO DO RIO CUIABÁ
Em 1972, a Eletrobrás, através da Eletronorte assumiu a construção da usina de Manso, cujo gigantesco reservatório é formado pelos rios Manso e da Casca e cujo principal objetivo não era gerar energia, mas, sim, salvar o Rio Cuiabá, controlando os picos de cheias e secas, facilitando a navegação à sua jusante, melhorando a qualidade de suas águas, reduzindo os coliformes fecais e resíduos contaminados despejados em suas águas pelos esgotos e até aumentando as chances de sobrevivência da fauna ictiológica criada na natureza.
Com o controle da vazão na seca e nas cheias, o lago está ensejando a implantação em sua área de abrangência de projetos de irrigação para a produção de frutas, legumes e verduras, que dependem de muita água. E já estão em andamento projetos para a engorda de peixes em tanques rede no grande reservatório, ampliando suas opções econômicas.
"Na realidade, Manso virou um importante polo econômico de Mato Grosso, com o surgimento em sua área de abrangência de hotéis, restaurantes, marinas, residências, loteamentos...", destaca Hélio Monti.
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O pecuarista, economista e consultor da Acrimat Amado de Oliveira Filho lembra que antes do represamento das águas dos rios Manso e Casca as terras da região, de baixa qualidade e improdutivas, não tinham nenhum valor comercial. Agora uma chacrinha de dois hectares já chega a R$ 80 mil. Um passeio de lancha de uma hora pelo lago custa em torno de R$ 450,00. “É Manso gerando emprego e renda...” – ressalta Amado de Oliveira.
Segundo Hélio Monti, o principal objetivo do projeto, que passou a ser chamado de APM (Aproveitamento Múltiplo de Manso), por causa de suas múltiplas finalidades, está sendo alcançado, pois desde a sua entrada em operação em 2002, não foi registrada nenhuma enchente de grande vulto no Rio Cuiabá.
Este ano, famílias ribeirinhas e de algumas áreas urbanas de Santo Antonio de Leverger e Barão de Melgaço já estão enfrentando problemas com as enchentes do Rio Cuiabá. Para Gustavo Reis Lobo de Vasconcelos, da Coordenação do Comitê Gestor Estadual do Programa Luz Para Todos em Mato Grosso, da Eletronorte, o período de chuvas 2013/2014 é atípico, enquanto uma fonte de Furnas revela que a situação está sob controle no reservatório.
Para Lobo Vasconcelos, os muitos pequenos tributários do Rio Cuiabá, a jusante do curso d´água, alguns deles já temporários, estão recebendo um colossal volume de água das últimas chuvas, o que tem provocado o transbordamento do Cuiabá Rio Abaixo. Contribuem para aumentar a vazão muitos esgotos que acabam chegando ao rio sem nenhum tratamento.
Segundo fontes de órgãos que acompanham dia e noite a evolução e a variação do nível das águas do Rio Cuiabá, que depende muito da intensidade das chuvas em suas cabeceiras, até agora, a ameaça de outra enchente de grandes proporções como as registradas em 1959, 42, 74 e 94 ainda não é motivo para grande preocupação.
Mesmo com a chuvarada, a represa de Manso ainda tem capacidade para armazenar muita água, sem necessidade de abrir as três comportas do vertedouro para diminuir o volume atual. “Mas temos que torcer e rezar para não cair uma tromba d’água na região, porque aí só Deus o que pode acontecer” – afirma uma fonte ligada ao sistema de produção de energia elétrica em Mato Grosso.
A CRIAÇÃO DE GADO NO PANTANAL MATO-GROSSENSE ANTES E DEPOIS DE MANSO
Depois de muita polêmica, a construção do reservatório da Hidrelétrica de Manso, cujo nome foi mudado depois para APM (Aproveitamento Múltiplo de Manso) começou em 1981, mas foi paralisada por mais de 10 anos e só retomada e concluída na reta final do governo do presidente da República Fernando Henrique Cardoso (1995/98-1999/2002).
O principal objetivo que determinou a construção da APM foi a regularização da vazão do Rio Cuiabá, com o controle do seu volume de águas nos períodos de chuvas e estiagem.
Para alguns especialistas em meio ambiente, se o reservatório formado pelos rios da Casca e Manso e seus afluentes não estivesse abastecendo permanentemente o Rio Cuiabá no pico da estiagem, a população da Baixada Cuiabana fatalmente estaria enfrentando sérios problemas de abastecimento de água. Motivo: a pouca água, com muita sujeira de esgotos e coliformes fecais, já estaria imprópria para o consumo humano.
Essa previsão foi feita em 1977, em uma reportagem publicada pelo Jornal do Brasil-RJ, com o hoje doutor em Biologia do Peixe José Augusto Ferraz de Lima, que advertia também que se providências seriíssimas não fossem tomadas com urgências para salvar o curso dágua, o Cuiabá se tornaria dentro de algumas décadas um rio temporário que poderia ser atravessado a pé. O título da reportagem do JB, de página inteira e reproduzida pelo Diário de Cuiabá, foi “Cuiabá – um rio morre de sede”.
A decisão de se transformar uma represa basicamente controladora de enchentes e secas em geradora de energia elétrica foi do Departamento Nacional de Obras Contra Secas (DNOCS), Ministério do Interior e Ministério das Minas e Energia. Foi gasto um pouco mais e instaladas quatro turbinas com capacidade de geração total de 220 megawatts de energia. O custo total da obra foi de US$ 348 milhões.
O reservatório de Manso ocupa uma área de 384 km2, abrangendo áreas de Chapada dos Guimarães e Nova Brasilândia. A extensão da área abrangida pelas águas é de cerca de 40 quilômetros. O volume da água represada é fantástico: 7,3 bilhões de metros cúbicos, conforme revela Gustavo Reis Lobo de Vasconcelos, 40 anos de barragista, e que já trabalhou nas maiores hidrelétricas do Brasil, entre elas Itaipu, Sobradinho, Tucuruí.
Para os pecuaristas do Pantanal Mato-grossense, embora o represamento de Manso seja bem recente, se comparado com a velha criação de gado na planície pantaneira, a pecuária da área se divide em antes e depois da APM – admite o criador Amaral Júnior. Segundo ele, o controle das águas do Rio Cuiabá no pico das enchentes tem ajudado os criadores a planejar o “prufirme” para evitar morte de gado, levando os rebanhos para áreas mais altas da propriedade ou alugadas.
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Mas ele ressalta que um pouco de água a mais na planície pantaneira no período das chuvas traz também benefícios para pecuária. Destaca Júnior que a água “limpa” o pantanal, levando embora bactérias, fungos, pragas, como mosquitos transmissores de doenças.
Apesar dessas vantagens da natureza e do controle das enchentes, que não tem causado problemas mais graves para os criadores da região desde que o reservatório de Manso foi fechado, os pecuaristas da área estão atentos com relação a chuvarada do atual período chuvoso: o ano termina com o número 4, que sempre foi fatídico para os pantaneiros...
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patrícia yara 10/06/2014
Amei a reportagem sobre manso. .. Parabéns
josias tadeu falcão cintra 07/03/2014
parabéns pela aula de conhecimento sobre Manso, bem como a importância para Mato Grosso, Cuiabá e nós pantaneiros.
Luiz Alberto Gomes da Silva 07/03/2014
obra multi funcional do governo dante,fazendo saneamento de cuiaba/varzeagrande com geraçao de energia e regulando o bioma do pantanal.
cleonice 06/03/2014
Muito esclarecedora a reportagem...gostei muito...
4 comentários