Há 28 anos, uma dupla de humoristas conquistava a eterna “Cidade Verde” com seus causos sobre o cotidiano e com seu inveterado linguajar cuiabano. A dupla é Nico e Lau, representada pelos atores Lioniê Vitório e Justino Astrevo, respectivamente. Em 8 de abril de 1995, suas crônicas sobre o dia a dia ganhavam, na antiga TV Gazeta, notoriedade por conta de uma das primeiras exibições locais em homenagem aos 276 anos de Cuiabá.
A representatividade de Nico e Lau contribuiu para o fomento do teatro na Capital, gerando apoio, inclusive, a novos artistas que almejam adentrar na quinta arte. Com mais de 20 peças estreladas, os dois receberam algumas homenagens ao longo desses anos. No dia 29 de abril, mais uma será acrescentada a biografia da dupla. É que Justino Astrevo, o ator que faz o Lau, será homenageado na 2ª edição do “Prêmio Jejé de Oyá”. Atual secretário adjunto de Cultura de Cuiabá, Justino Astrevo, tem 57 anos, é ator, diretor, roteirista e pós-graduado em Gestão Pública. Ele também ocupou o cargo na gestão do ex-prefeito Roberto França.
Tomou gosto pelo teatro ainda no ensino fundamental e não parou mais. Na celebração dos 304 de Cuiabá, o HNT destaca a trajetória do ator cuiabano em uma entrevista ping-pong. No bate papo, Lau – para os mais íntimos – conta sua história, destaca a importância de Jejé de Oyá para o cenário cultural cuibano e para Mato Grosso, elogiando a figura icônica do artista que se posicionou e se fez presente, enfrentando os mais depreciativos e inacessíveis tipos de preconceito.
Lau ainda se alegra ao lembrar que já compôs samba errendo em homenagem a Jejé e que ele um dia lhe falou: "se um dia contarem minha história, quero que você me represente".
Justino ainda apontou alguns dos desafios de manter vivo o teatro em dias dominados pelas redes sociais.
Confira alguns dos principais trechos da entrevista:
HNT: Cuiabá é rica em cultura. Tem artistas em todas as mais variadas formas de fazer arte: música, teatro, dança. Mas quando surgiu em você o sentimento de ingressar nesse meio?
Justino/Lau: Eu comecei a fazer teatro no ambiente escolar. No ensino fundamental e, depois, ensino médio. Uma professora de educação artística tinha um trabalho de estimular os aluno a se manifestarem através de música ou de teatro, de danças, o que quer que fosse o tipo de arte. Depois disso, fui ampliando. Conhecendo o movimento, fui fazer oficinas, cursos. Aí, montarmos um grupo e a minha carreira começou aí, nesse ambiente escolar.
HNT: Nico e Lau são figuras quase que folclóricas aqui em Cuiabá. São personagens importantes, inclusive, em diversas campanhas de conscientização na TV. Quando surgiu a ideia de criar as figuras tipicamente cuiabanas?
Justino/Lau: A gente montou uma Companhia que chamava Folhas Produções. Essa companhia teve atuação até ali, na primeira metade dos de 1990 e 1995. Nós começamos a fazer essas personagens de Nico e Lau por conta de um convite que a televisão fez pra gente pra fazer homenagem a Cuiabá no dia do aniversário – 8 de abril de 1995. Nós pensamos nessa coisa de contar histórias e de contar 'causos'. Foi aí que desenvolvemos o interesse dessa coisa do meu personagem Lau utilizar o chamado linguajar cuiabano. O Nico é mais pantaneiro. Como eu sou formado em Letras, também já tinha um estudo nessa área de linguística dos traços fundamentais da nossa língua, do nosso linguajar, e foi em 1995 que nós começamos a interpretar e, em 2025, vamos completar 30 anos.
Começamos em programa ao vivo que ia ao ar todas as quartas-feiras na TV Gazeta. A gente tinha estúdio, tinha um cenário. No programa, nós levávamos os 'causos', levávamos as histórias, até convidados, músico pra tocar. E era tudo improvisado, porque era ao vivo. Qualquer coisa podia acontecer.
Especialmente, para Nico e Lau eu já escrevi 28 peças. É um espetáculo por ano, então, desde o primeiro ano a gente faz um espetáculo.
HNT: Na pandemia da covid-19, diversos setores tiveram que suspender as atividade para evitar proliferação do vírus. Shows suspensos, parques suspensos, peças suspensa. Em pouco mais de dois anos de pandemia, as pessoas precisaram encontrar outras maneiras para se divertir. A internet foi um caminho. Mas, com a volta da “normalidade”, a vinda de grandes peças de teatro foi prejudicada. Parece que quase não vem mais grandes produções....
Judtino/Lau: Eu faço parte de um grupo de grandes atores que debate sobre a situação do teatro no Brasil. Participam Diogo Vilela e Matheus Nachtergaele, por exemplo, dessa discussão. Cuiabá era uma rota de trazer espetáculos pra cá. Ficavam dois, três anos em cartaz, hoje, fica no máximo seis meses.
Com essa coisa de fazer a produção do espetáculo com cenários grandes, com grande quantidade de atores, pra trazer ou viajar o Brasil, ficou inviável por algumas situações. Primeiro, porque teve a questão pandemia, que foi realmente muito séria. E a outra questão também foi as pessoas descobrirem que você pode se divertir vendo rede social. No teatro, você tem que sair da sua casa, pagar entrada, pagar o estacionamento. Então, o custo é alto. Trazer uma produção dessa para cá com seis atores, com passagens aérea, com hospedagem, alimentação, transporte de cenário e tal, você talvez não tenha público, para que você consiga fazer você fazer frente as despesas.
Com a pandemia, as pessoas começam se divertir de maneira remota. Nesse perído, contudo, cresceu muito os 'stand up'. Porque só traz um ator sem nenhum cenário, no máximo vem um técnico e com custos muito reduzidos.
HNT: Com isso, Justino destaca que sente falta do eco da plateia.
Justino/Lau: As pessoas perderam o tesão em ver coisa no teatro que não seja comédia. Se eu trazer um espetáculo de drama, se eu trazer uma pesquisa de linguagem, algo que busque que seja uma experimentação, você não tem eco na plateia...
As pessoas estão já acostumadas a se divertir de maneira remota, se ele quiser ouvir uma piada, ele entra na internet. E o teatro, ele é a arte que menos conversa com o público por via das redes sociais. O teatro acontece ao vivo e isso dificulta sua comunicação com o público.
HNT: Como que se pode mudar esse cenário para ajudar a fomentar?
Justino/Lau: O teatro tem que, cada vez mais, se aproximar da população, de ter essa linguagem instantânea. Por isso, stand up faz muito sucesso, porque ele é uma narrativa do dia a dia, dos acontecimentos diários. O teatro não tem muito essa característica, dependendo do tipo de espetáculo que você monta.
Eu acho que é pensar no investimento e na cadeia produtiva do teatro. Formar escritores, diretores, atores, técnicos. Hoje, tem a Escola MT de Teatro, que eu acho que fornece essa mão de obra para o mercado. Ela cumpre esse papel. Você já vê o movimento sendo oxigenado por conta desse pessoal que ela já vem estudando, se formando e se colocando no mercado.
HNT: Você é um dos homenageados na 2ª Edição do Prêmio de Jejé Oya. Como você avalia a importância dele para Cuiabá? Poderia contar alguma história que você tem de ligação com ele?
Justino/Lau: Fico honrado em receber essa homenagem. Ele (prêmio) representa muito no sentido de dar visibilidade para uma pauta que hoje perpassa por todos os canais, é transversal, por todas as instâncias de Poder, porque tem muita contribuição de pessoas como Jejé. Sendo negro, sendo homossexual, ele ocupou seu espaço na sociedade, ele se fez ouvir, ele se transformou num colunista social, ele escrevia, ele frequentava a sociedade, ele se transformou em um ícone aqui da cultura. Eu fiz enredos para blocos de Carnaval que homenagearam Jejé.
A gente tinha um programa da antiga Casa da Cultura que a gente trazia os expoentes da cultura pra fazer roda de conversa com o público. A gente trouxe o Jejé e foi uma coisa assim muito bacana, maravilhosa. Ele sempre acompanhava, ele sempre acompanhou o nosso trabalho. E ele falava assim: 'olha, se um dia fizerem um filme e contarem minha história, você que tem que me representar'.
A gente aprendeu a conviver e a gostar do Jejé e acho que a sociedade, de modo geral aqui de Cuiabá, exatamente porque ele se fez, ele se colocou e se efetivou ali.
HNT: Qual a importância de Jejé na construção de Nico e Lau?
Justino/Lau: Os trabalho que a gente faz, que eu acho que é um pouco do que estimulou a organização do evento a me prestar essa homenagem, tem a ver com a questão de eu ser ator e, como ator, ocupar um lugar importante de fala na sociedade, ter um trabalho com Nico e Lau onde a gente faz questão de nos chamarmos de "humor com atitude", que tem humor e tem a informação junto, e e eu contraceno com um cara que é branco e a gente não reproduz em Nico e Lau essa reprodução de dominação que a sociedade tem.
Nico é um aventureiro, é o cara mais que se lança, mais folgado e tal, e o Lau é um cara mais centrado, que tem mais informação e que sempre orienta. Se fosse ao contrário, nós estaríamos reproduzindo essa relação de preconceito.
Ele também contribui nesse aspecto.
OUTROS HOMENAGEADOS
Além de Justino, serão homenageados no prêmio a rainha do Carnaval Cuiabano, Izzy Lima, Marcio do Nascimento Ferreira, engenheiro civil, gerente regional da Vanguard em Cuiabá MT; Naíse do Vale Santana, graduada em nutrição, regente de coral, especialista em iniciação à musicoterapia e servidora aposentada da UFMT.
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MAIS SOBRE O PRÊMIO
O Prêmio Jejé de Oyá foi criado para reconhecer as personalidades negras de Cuiabá e da Baixada Cuiabana pelas histórias de luta, resistência, produção independente, capacidade criativa, empreendedorismo comercial e cultural, conhecimento educacional científico, merecimento e pertencimento étnico racial-religioso. Nesta edição, seis personagens de destaque social foram homenageados e profissionais que se destacam em dez áreas de atuação serão premiados, após serem escolhidos por um júri técnico que observou pontos relevantes como: sociedade, profissionalismo, competência e comprometimento.
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