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Brasil Domingo, 01 de Junho de 2025, 14:17 - A | A

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CRIANÇAS E MULHERES

Justiça vai contra a lei e expõe nomes e até endereços de vítimas de estupro e violência doméstica

Tribunais dizem que vão apurar. Conselho Nacional de Justiça diz que 'erros' podem ser levados à corregedoria nacional

G1

Maria (nome fictício) tinha 13 anos quando foi estuprada dentro de casa pelo padrasto, em 2013, em Pernambuco. O caso passou a ser investigado depois que a menina contou sobre a violência para a mãe. Contra a lei, o nome da vítima e detalhes do crime foram expostos pela Justiça.

O depoimento de Joana (nome fictício), que relatou à Justiça os abusos sexuais que sofreu desde os 7 anos, no Pará, também estava exposto pelo Judiciário.

Maria e Joana estão entre 120 pessoas, a maioria mulheres e crianças vítimas de agressões, estupros e tentativas de feminicídio, que tiveram os nomes divulgados indevidamente em ordens de prisão expedidas por 19 tribunais de Justiça e inseridas no Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP).

O BNMP é de acesso público e reúne, entre outras informações, os nomes e endereços de pessoas procuradas pela Justiça, com o objetivo de auxiliar as forças de segurança na localização de foragidos. Os dados das vítimas, no entanto, deveriam estar sob sigilo.

'Não fazia ideia', diz vítima que teve nome exposto

A exposição foi descoberta pelo g1 após uma análise de 123 mil ordens de prisão, cerca de metade das vigentes no país. Os dados das demais não foram disponibilizados à reportagem (leia mais abaixo).

“Eu sabia que determinadas pessoas podiam ter acesso [ao processo], como o advogado dele, mas não fazia ideia de que era tão exposto da forma como você está me falando. Não fazia ideia mesmo", disse ao g1 uma das mulheres que teve o nome divulgado.

O g1 procurou os 19 tribunais e o CNJ. Dois tribunais (Amazonas e Rio Grande do Sul) informaram que acionaram as corregedorias. O do Rio de Janeiro disse que vai apurar; o de Rondônia, que corrigiu o erro. Sergipe afirmou que vai aprimorar seus fluxos internos; e o de Alagoas, que vai pedir revisão de documentos.

O Tribunal do Mato Grosso do Sul disse que solicitou a retirada dos mandados da consulta pública. O do Ceará afirmou que tem mantido esforços contínuos de orientação com magistrados para prevenir a exposição de dados.

Os tribunais do Amapá, Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte não se pronunciaram até a publicação desta reportagem.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nega "erro sistêmico" e afirmou que reconhece a importância de proteger dados de vítimas, tendo editado normas para evitar exposições indevidas. Disse ainda que vai reforçar orientações aos tribunais e que casos como esses podem ser analisados pela Corregedoria Nacional.

'Justiça deveria garantir direitos, não violá-los'

Para Mariana Albuquerque Zan, advogada do Instituto Alana, que atua em defesa dos direitos da criança e do adolescente, proteger o nome das vítimas é essencial para proteger o futuro delas, e evitar que a dor causada pelos crimes sofridos seja agravada.

“O sigilo é estabelecido para que essas crianças não sofram outras violências a partir da violência que já tenham sofrido", afirma. “Choca mais quando a gente fica sabendo que é pelo próprio sistema de Justiça, porque a gente tem essa ideia de que ele está aqui para garantir direitos, e não para violar.”

Para Anabel Pessôa, cofundadora do Instituto Maria da Penha e professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco, além de evitar constrangimento público, o sigilo é importante para evitar que as mulheres desistam de denunciar os agressores.

“A exposição coloca a mulher em risco não só diante do agressor, mas também da sociedade. Com a nova lei, o sigilo passou a ser obrigatório por norma expressa", afirma. A vítima pode ser alvo de preconceito, fofoca, retaliação, e tudo isso pode levá-la a se calar. O Estado, ao falhar no sigilo, contribui para a revitimização".

Sigilo em casos de violência sexual e violência doméstica é obrigatório

Uma lei de 2009 determinou que todos os crimes contra a dignidade sexual devem tramitar em segredo de justiça. Isso inclui os crimes de estupro, estupro de vulnerável, assédio sexual, importunação sexual e divulgação de cenas de estupro ou pornografia.

Outra lei, de 2024, estabeleceu que todo caso de violência doméstica deve ser automaticamente colocado sob sigilo, sem necessidade de um pedido da vítima — antes, o sigilo dependia de uma decisão judicial. As informações sobre o agressor e o andamento do processo podem continuar públicas.

Dos 44 nomes de mulheres encontrados pelo g1, 19 aparecem em ordens de prisão expedidas antes da vigência da lei, e 25, depois.

Segundo Anabel Pessôa, o sigilo deve ser aplicado também em casos ocorridos antes dessa lei.

“Uma lei não pode retroceder para prejudicar, mas ela pode retroceder para favorecer", afirma.

CNJ limita acesso à totalidade dos mandados

Por meio do BNMP, o g1 conseguiu acessar informações públicas de 123 mil das 335 mil ordens de prisão em vigor.

O sistema, no entanto, não permitiu o acesso à totalidade dos mandados. O CNJ informou que não poderia disponibilizá-los e, durante a apuração, uma mudança na plataforma impossibilitou o acesso aos dados dos estados de São Paulo e Tocantins.

Para Marina Atoji, diretora de Programas da Transparência Brasil, há um desequilíbrio grave nas políticas públicas de dados do sistema de Justiça.

Para a especialista, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) restringe o acesso a informações que deveriam ser públicas — como os nomes dos procurados —, enquanto expõe vítimas de crimes que, por lei, deveriam estar sob sigilo.

"É uma situação absurda: nem se cumpre o dever de transparência adequadamente, nem se cumpre o dever de proteção das vítimas."

Em nota, o CNJ diz que busca avançar na construção de uma política de dados abertos, preservada a proteção de dados pessoais e sigilosos, permitindo a geração e extração de relatórios em diversos formatos eletrônicos, inclusive abertos e não proprietários, bem como, quando possível, o acesso automatizado.

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