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Quarta-feira, 15 de Junho de 2022, 09h:27

A peculiar situação do vice no período eleitoral

DANIEL GOMES

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DANIEL GOMES

 

No sistema de governo adotado pelo Brasil – o presidencialismo – o chefe do Poder Executivo reúne as funções de administração interna e de representação externa do ente que temporariamente comanda. Todavia, a eleição destes mandatários está atrelada à respectiva chapa, que contempla a figura do vice.

Tal arranjo se presta para manter a base da independência harmônica entre os poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário) mesmo nos casos de impedimento (afastamento temporário do titular – hipótese de substituição pelo período do afastamento) e de vacância do cargo do titular (afastamento definitivo – hipótese de sucessão até o fim do mandato).

Desde o advento da Emenda Constitucional nº 16/1997, é permitida a reeleição do chefe do Poder Executivo e de quem os houver sucedido ou substituído no curso do mandato para um único mandato subsequente (art. 14, §5º, da CF).

Por sua vez, o §6º do art. 14 dispõe que, para concorrer a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito.

Aqui surge, porém, uma dúvida: se o vice assumir temporariamente a chefia do Poder Executivo (hipótese de substituição) em datas inseridas no período de até seis meses antes do pleito eleitoral, estará inelegível do mesmo modo como se assumisse definitivamente a titularidade (hipótese de sucessão)?

Tanto o Tribunal Superior Eleitoral – TSE quanto o Supremo Tribunal Federal – STF já enfrentaram a questão aqui suscitada, mas sem haver uniformidade de julgamentos e entendimentos, mesmo dentro de cada um desses pretórios, havendo precedentes tanto com aplicabilidade da regra de inelegibilidade apenas aos casos de sucessão, como também para os casos de substituição.

Para responder à questão, deve-se atentar para os valores protegidos pelas normas constitucionais e legais que estabelecem hipóteses de inelegibilidade, quais sejam: igualdade de oportunidades entre os candidatos, proibição do uso da estrutura estatal em benefício de candidato, partido ou coligação/federação e impedimento ao continuísmo no poder.

De outro lado, também deve-se levar em conta que as necessidades públicas são perenes, independentemente da proximidade ou não de pleitos eleitorais.

Logo, os ocupantes dos cargos de chefia do executivo devem manter suas atribuições e as ações governamentais para atendimento de tais necessidades públicas mesmo que almejem concorrer à reeleição.

Ainda, deve-se utilizar como premissa para resposta à dúvida o vetor básico da estruturação do poder no Brasil, dividido entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, os quais devem atuar de forma independente e harmônica entre si.

Como já asseverado, para contemplar tal separação é que o vice compõe a chapa eleita para a chefia do Executivo, de forma a ser chamado sempre que o titular não puder desempenhar as funções do cargo eletivo.

Porém, caso o titular e o vice se afastem da chefia do executivo, são convocados a assumir tal função, sucessivamente, o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal (ou da Assembleia Legislativa, no caso dos Estados, e da Câmara Legislativa, no DF) e o do Supremo Tribunal Federal (do Tribunal de Justiça, nos Estados e DF).

Fixadas estas premissas, entendo que se mostra desarrazoado aferir a inelegibilidade ora discutida aprioristicamente. A mera assunção da titularidade temporária do cargo titular no período prévio às eleições, por si só, não representa desequilíbrio do pleito eleitoral ou uso da máquina pública em favor de candidato ou partido. Ora, se o titular pode – e deve – manter as ações governamentais durante tal período, o vice, chamado temporariamente em caso de afastamento daquele, goza de igual poder-dever, de modo a atender às necessidades públicas contínuas.

Outrossim, na prática, para evitar tal inelegibilidade, é muito comum que diante do afastamento temporário do titular, o vice e o chefe do parlamento acabem por igualmente se afastarem dos respectivos cargos, muitas vezes com viagens oficias custosas que sequer ocorreriam em outra circunstância, situação em que o chefe do Poder Judiciário, último da escala sucessória constitucional, acumula a função de chefia do Poder Executivo.

Em tais casos, há evidente desequilíbrio da regra estrutural da CF no sentido da separação dos Poderes, uma vez que uma única pessoa exerceria a chefia de mais de um Poder da República, bem como, por diversas vezes, culmina em gastos desnecessários ao erário.

Ora, como consta do início deste breve arrazoado, a figura institucional do vice se presta a manter o princípio basilar da separação dos Poderes. Por isso, aplicar penalidade sobre os direitos políticos de vice que, em nome de tal regra estrutural da Constituição, cumpre seu papel de substituto em caso de impedimento temporário do titular, representa contradição evidente.

Não pode alguém ser punido por cumprir seus deveres. Ademais, as regras restritivas de direito – como a prescrita no art. 14, §6º, da CF – devem ser interpretadas restritivamente, de modo a alcançar apenas o Chefe do Poder Executivo.

Logo, pedindo vênia aos entendimentos em contrário, a partir de interpretação orgânica da Constituição Federal, tem-se que a assunção temporária da titularidade da Chefia do Poder Executivo pelo vice não atrai para si a regra de inelegibilidade prevista no § 6º do art. 14 da CF.

(*) DANIEL GOMES SOARES DE SOUZA é advogado no escritório Segatto Advocacia e Procurador do Estado de Mato Grosso.