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Sábado, 25 de Junho de 2011, 14h:38

Empresário Aldo Locatelli obtém sucesso na 'faculdade da vida'

Dono de uma das maiores rede de distribuição de combustível do Brasil fala como gerir suas empresas e perder pouco

ISADORA SPADONI

A profissionalização é o que fundamenta a concepção de qualquer empreendimento e serve de alicerce para as iniciativas do empreendedor. Mas no caso de Aldo Locatelli, fundador de uma das maiores redes de postos do Brasil, e que agora leva o seu nome, a faculdade de administração de empresas que ele cursou aos 26 anos serviu apenas para lapidar a experiência adquirida em sua faculdade da vida.

Experiência assaz precoce, pois ainda aos 13 anos, em Xaxim (SC), Aldo já fazia pequenos fretes com um caminhãozinho F6. Levantava às três da manhã, fretava de cebolas a telhas e o vínculo – já estreito – com postos de combustíveis, naquela época, se resumia apenas a ir abastecer. O pai, Davi, era comerciante, vendia feijão, machado, tecidos, erva-mate, fogão.

Fotos: Mayke Toscano

Em 1966, Davi comprou um posto de combustível para impedir o primogênito Laíres de servir o Exército. Aldo, na época com 15 anos, passou a administrar o empreendimento, na companhia do irmão. Ele conta tinha um primo motorista que falava muito de postos. Mas um em especial chamava atenção: localizado em Curitiba (PR), ele vendia naquela época mais de um milhão de litros por mês. Aldo resolveu ir até lá, acompanhado do primo, para comprovar com os próprios olhos aquele sucesso e ter sua primeira aula de campo. “Nós vendíamos cerca de 40, 60 mil litros por mês. E aquele posto vendia mais que isso por dia”, conta. “A gente se assustava, queria aprender, conhecer, ver”.

A família Locatelli já estava com dois postos em Xaxim – sendo um dentro da cidade e outro na rodovia BR-282 - até que, por questões políticas, em 1977, Davi, Sila e os quatro filhos resolveram vender tudo e ir morar em Campo Grande (MS). “Nós já não queríamos mais mexer com postos, mas acabamos mexendo de novo”, lembra Aldo. Lá abriram o primeiro posto Locatelli na região Centro Oeste.

DE LOCATELLI PARA ALDO

Em 1979, Aldo achou melhor traçar um caminho independente ao dos irmãos, e junto com sua esposa, Ilse, saíram de Campo Grande, rumo a Dourados. “Saí porque já estava concorrendo com meus irmãos [uma vez que todos trabalhavam no mesmo segmento], e eu não gosto disso. Ganhar dinheiro para tirar deles é coisa que eu não faço”. Em Dourados arrendaram um posto, e passados quatro anos, decidiram se afastar do segmento. Aldo quis investir no ramo agropecuário.

Em 1988, vieram para Cuiabá, e abriram o Posto Matriz. “Eu já desisti duas vezes de tocar posto. Porque você cansa, apanha, e assim como o casamento, você separa. Depois você vê que não vale à pena”.

Em 2007, o nome da rede passou a ser Grupo Aldo Locatelli, simbolizando a padronização de atendimento em todos os postos administrados por Aldo. “Porque quando começamos éramos quatro irmãos, mas aí entrou genro, nora, filho, cunhado da mulher, e o atendimento já não era mais igual”. Se o posto é Aldo, significa que o cliente passa a ser acolhido da mesma forma, em qualquer cidade, sem divergências de cadastro, sistemas e proposta de atendimento. E isso rendeu ao grupo um crescimento de quase 380%, nos últimos seis anos, segundo o empreendedor. “A integração ainda não está completa, mas pretende oferecer ao motorista todas as mordomias que ele precisa. Se quiser abastecer em Cubatão e pagar em Cuiabá, ele pode”.

O grupo está fazendo um trabalho de marketing para mais algumas modificações, no que diz respeito ao nome: a intenção é que pegue no gosto dos clientes o nome “Aldo”, que depois se reduzirá a “A”. “Posto Lo-ca-tel-li é muito longe. Ir para o posto A é melhor”, brinca Aldo.

UMA RELAÇÃO SALUTAR

Segundo Aldo, o caminhoneiro é uma pessoa simples, humilde e carente, que passa muito tempo fora de casa. E é nele que se encontra o foco de atuação da rede Aldo Locatelli. “O sucesso está no atendimento. É atender bem o cliente e dar a ele o que ele precisa”, explica. Banheiros amplos e asseados, profissionais bem treinados, preço justo, segurança, refeições bem preparadas e até um carro a disposição do cliente. “Em Cubatão, eles pegam o carro para ir à praia, a gente não vê nenhum problema. Estamos surpreendendo, satisfazendo um desejo deles”.

Os postos Aldo Locatelli não exploram a carência do caminhoneiro, “porque quando você explora, você acaba perdendo a espontaneidade”, mas oferece afetividade – que nunca se perde, e faz com que o cliente se torne dependente dos serviços. “Eu trato o motorista, que é o meu cliente, para ser o meu vendedor”, explica Aldo, sem empáfia. Para ele, ao contrário do merchandising, nada paga o “boca-a-boca”.

Ele justifica dizendo que não tem funcionários de “telemarketing”, ninguém que ligue atrás do cliente chamando-o para abastecer em algum dos seus postos. “É o cliente quem liga dizendo que quer vir abastecer. E também liga quando tem algum problema”.

Como forma de gratidão, Aldo Locatelli oferece um “churrascão” em todos os pátios dos postos da rede, uma vez ao mês, para os motoristas. “Damos som, cerveja, carne, pão, tudo de primeira, para agradecer ao motorista que faz propaganda pra gente”. A festa de São Cristóvão, conhecida como a Festa do Caminhoneiro, também recebe o apoio da rede.

AMARGANDO PREJUÍZO

O pai de Aldo, toda vez que chegava em seus postos, dizia numa didática figurada típica dos pais, que o filho tinha uma espécie de caixa d’água grande, abastecida por uma generosa torneira de dinheiro, mas que estava cheia de furos pequenos, impedindo o reservatório de se encher por completo. “Simbolicamente ele quis dizer que uma série de coisas faziam com que eu perdesse dinheiro: roubos, desperdícios, desleixos”.

Em 1995, Aldo decidiu contratar uma pessoa para ficar encarregada de uma espécie de controladoria interna, e a cada um, dois meses, o profissional iria em todos os postos tirar contagens de caixa. “Antigamente a controladoria chegava no posto, pegava a senha de todos os funcionários, confrontavam dados e liberavam caixas”. Hoje Aldo conta que não há mais necessidade disso, e dispensou a presença da controladoria. “Eu sei que ainda existem roubos, mas em percentuais aceitáveis. Com a medição mensal do que está acontecendo, você tem como direcionar seu barco”.

UM PRÓPRIO BALANÇO

Na faculdade de administração, Aldo Locatelli sabia o que queria: aprender a fazer balanço. Mas não um balanço contábil, pois segundo ele, a contabilidade é mentirosa, e só serve para os fiscais não encherem o saco. “Se você fizer certo, ela é perfeita. Se você quiser mentir, você mente. Por isso muitas empresas quebram”. Com o conhecimento acadêmico adquirido na faculdade em Chapecó (SC), e em algumas especializações em movimento gerencial, Aldo criou uma contabilidade própria.

BALANÇO TURCO

Aldo diz que o fundamental, para quem quer dar início a um empreendimento, em qualquer ramo, é fazer o balanço mensal. “Alguns deverão fazer aquele balanço do turco, que chega na cidade com seis malas e no fim do mês coloca as roupas dentro da mala. Se ele tiver oito malas, ele ganhou duas, se tiver cinco, perdeu uma. O balanço primitivo”.

Quando começou a fazer o balanço, ainda existia inflação. “Era muito mais difícil trabalhar naquela época, porque você comprava “X” litros mas não sabia quanto pagava por aquilo. Em um mês chegava a ter 60% de desvalorização”.

Então Aldo criou na época uma moeda chamada “litros de óleo diesel”, para cada mil litros. No começo do mês ele via quanto a empresa tinha em litros, e no final do mês com quantos litros tinha fechado. “Era um balanço empírico. Em dinheiro você ganha uma fortuna, porque valorizava. Mas na real não era um ganho muito grande”.

Com o advento do Plano Real, as coisas se estabilizaram, embora a medição em litros ainda seja utilizada. “A gente avalia quantos litros um funcionário abastece por mês, quantos litros são gastos em despesas, tudo”. Segundo Aldo, empresas como a Skol também empregam um sistema de balanço semelhante, que calcula litros de custo de venda, de produção, de lucro. “Porque você acaba se perdendo. Tendo em vista os últimos 3 ou 4 anos de governo, a inflação já foi 30, 40%. Então se você tivesse R$ 100 mil no início, você teria que ter R$ 130 mil para empatar”.

DEFENSORES MAIORES

O balanço, aquele “turco”, teve sucesso absoluto. “Acabamos com os furtos, e começamos a trabalhar e ganhar dinheiro”. Em consequência disso, a rede passou a valorizar mais os funcionários, que já estão em torno de 1.500 contratados. Aldo afirma, com segurança, que eles são os funcionários mais bem pagos neste segmento. “O que é importante para o empresário? É o que é importante para o funcionário: o quanto eu vou receber no fim do mês. Os funcionários são nossos guerreiros, nossos defensores maiores”.

Cada filial conta com um gerente, responsável por administrar sozinho o posto. E Aldo lhes dá um “voto de confiança”: “Temos postos em Cubatão, São José dos Pinhais, Paranaguá, e nós raramente vamos lá.”

TRANSPORTADORAS

Para Aldo, “meu segundo cliente são as transportadoras”. Entre as dez maiores transportadoras do país, ao menos cinco estão instaladas em seus pátios. “Eu tenho seguramente a primeira, segunda, terceira, quarta e quinta maiores centrais de fretes nos meus postos”.

A parceria se resume à simbiose: as transportadoras dão frete aos motoristas, e os motoristas abastecem no posto. “Nós temos uma vida interligada”.

FILIAIS

São nove postos, sendo dois em Cuiabá, dois em Rondonópolis, um em Primavera do Leste, um em São José dos Pinhais (PR), dois em Paranaguá (PR) e um em Cubatão (SP). Segundo Aldo, os cinco postos em Mato Grosso são responsáveis por vender 10% de todo o óleo diesel consumido no Estado, entre lavoura, abastecimento de caminhão e outros. “Temos um posto no Estado que vende quase 200 mil litros por dia. Se você pegar a média dos postos em Mato Grosso, eles dão 150 mil litros ao mês. Nós vendemos mais do que isso em um dia”. Fazendo uma média, são necessários entre 30 e 40 postos para equivaler a um posto Aldo Locatelli. “A média dos nossos postos está em três milhões de litros ao mês”.

Todo o dinheiro que lhe sobra, ou 90% do montante líquido, Aldo usa para investir no próprio negócio. “Sou diferente de algumas pessoas”. No ano passado, foram investidos de R$ 2 milhões a R$ 3 milhões no Posto Matriz (saída para Rondonópolis), em melhorias e ampliações de terreno.

A escolha das filiais é feita pelos motoristas, segundo o empreendedor. “Eles dizem o que eles querem e nós atendemos. Eles dizem “lá naquele lugar todo mundo atende mal”, e a rede instala uma unidade para fazer o diferencial. No entanto, nem todos os pedidos podem ser atendidos; algumas cidades ainda não comportam um posto Aldo Locatelli. “Por exemplo, Lucas. Tem cliente me pedindo posto em Lucas. Mas Lucas ainda não tem a produção necessária para um posto do nosso tamanho. Então os clientes de Lucas, Sorriso, Tangará da Serra vêm para Cuiabá”.

PAI RICO, FILHO RICO

Aldo diz que é importante passar tudo que se pode aos filhos para que histórias do tipo “pai rico, filho nobre” não se repitam. Hoje são os seus filhos, Daniel Locatelli e Francielli Locatelli, quem tomam conta de todo o império. “Até porque não existe enterro com caminhão de mudança atrás”, brinca.

2 BILHÕES DE LITROS

O momento de maior satisfação para Aldo Locatelli e rede não foi comemorado. Quando o grupo vendeu 1 bilhão de litros, houve uma grande comemoração, “fizemos camiseta e tudo”. A família programou para que quando vendessem 2 bilhões de litros, todos fariam comemoração semelhante. “Hoje já estamos em 2 bilhões e pouco, e nem vimos”. O grupo levou 14 anos (de 1988 a 2006) para chegar ao marco de 1 bilhão. E em seis anos apenas chegaram aos 2 bilhões.

AQUELE POSTO MODELO EM CURITIBA

“Se o cidadão tivesse comprado áreas ao redor daquele terreno, ele seria seguramente o cara mais rico de Curitiba hoje. Mas ele não evoluiu, ficou com o pequenininho. Não investiu em seu próprio negócio. Se o Roberto Marinho tivesse ficado com a TV em preto e branco, não teríamos a Globo de hoje. E você tem que ser craque, Pelé no que faz. Se você não consegue, então tem que contratar um”, reflete Aldo.

 

 

Para Aldo Locatelli, empreender é: OUSAR


1. Dicas para quem quer iniciar um empreendimento
Primeiro: Fazer uma análise criteriosa do mercado, e conhecer o mercado. Sem conhecimento de causa, tem que trabalhar numa empresa para aprender a trabalhar. E tem que se destacar nela, e não pensar que se destacou. Tem que efetivamente mostrar e o patrão não querer que ele saia. Tem que conhecer o mercado, porque não adianta você colocar um posto em cima de um coqueiro, que ninguém vai abastecer lá.
Segundo: tem que ver se a lucratividade do empreendimento que se quer fazer vai cobrir as despesas tidas ao fazer aquele trabalho.
Terceiro: ver se o mercado não está saturado. E o que é fundamental: conhecimento de causa, com um balanço no fim do mês que você possa corrigir. Corrigir o caminho errado. Sem corrigir o caminho errado não existe empresa nenhuma.

2. O Custo Brasil é realmente um obstáculo para o empreendedor?
Muito grande. O Custo Brasil é uma vergonha. Eu diria que o custo só não é tão problemático quanto a burocracia brasileira. Você vai fazer qualquer empreendimento, leva a planta, aí eles pedem pra você corrigir uma coisa, outra coisa, você leva dois anos para aprovar um negócio. Não vejo porque corrigir dois centímetros de uma janela modificando um projeto todo. A burocracia que impera no Brasil é terrível, e com a carga tributária fica pior. Você hoje precisa ter tributarista, advogado, para abrir uma empresa.

3. O que é mais importante: dinheiro ou criatividade?
Criatividade, toda a vida. Embora seja preciso dinheiro para ser criativo. Você não vai morar comigo embaixo da ponte. Mas você não pode fazer o dinheiro subir à cabeça. O dinheiro está para atender suas necessidades, e não para te fazer ser rico.

4. O que é mais difícil: fidelizar um cliente ou conquistar um cliente novo?
Eu acho que fidelizar, né? Fidelizar é difícil. Se você não tiver uma postura correta. Porque as pessoas começam a se perder na soberba, no dinheiro.