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Segunda-feira, 12 de Outubro de 2020, 07h:11

A força e a coragem das meninas skatistas afegãs

CONTEÚDO ESTADÃO
da Redação

A diretora Carol Dysinger é do tempo em que uma menina levantar a mão durante a aula para responder uma pergunta do professor era garantia de ser ridicularizada pelos colegas, em vez de ser considerada inteligente e interessante. E uma das cenas mais tocantes de Aprendendo a Andar de Skate em Zona de Guerra (Se Você For Menina) é justamente quando a professora formula uma questão e não uma, nem duas, mas várias das suas alunas erguem suas mãozinhas. Elas vivem em Cabul, no Afeganistão, e estudam na Skateistan, onde, além de lições de leitura, escrita e matemática, têm aulas de skate. Tudo para construir sua autoconfiança, num país em que meninas eram proibidas de ir à escola e praticar esportes pelo Taleban. "A coragem de que precisam é de falar numa cultura em que as garotas não falam. E elas aprendem a falar, a dar uma resposta, mesmo se estiver incorreta", disse Dysinger, em entrevista ao Estadão. O curta-metragem de 40 minutos, que ganhou o Oscar e o Bafta na categoria neste ano, é exibido nesta segunda, às 20h50, no canal Lifetime.

Essa não é a primeira incursão de Dysinger no Afeganistão. Em 2010, ela lançou o longa Camp Victory, Afghanistan, sobre o treinamento do Exército Nacional Afegão por americanos, franceses, italianos. "É algo que fizemos no Vietnã e não deu muito certo. Então, eu quis ir para lá para ver o que estava acontecendo. Estava interessada no comportamento do meu país e da Força Internacional de Apoio à Segurança (missão estabelecida pela OTAN) e em como o projeto de construção de uma nova nação estava indo", contou a cineasta. Aos pouquinhos, ela começou a frequentar a casa dos oficiais afegãos. E, sendo mulher, podia ir para os fundos para conhecer suas mulheres e filhas. "Era uma criançada alegre, levada, que pulava janela e se pendurava no teto. Mas, assim que você liga a câmera ou um homem entra, elas ficam reprimidas." Enquanto fazia um filme sobre uma família com 53 netos e netas, que está terminando, recebeu o aviso da Lifetime sobre a permissão de filmar na Skateistan, a escola fundada pelo skatista Oliver Percovich em 2007. "Pensei: é agora que vou mostrar como essas meninas afegãs são incríveis e como, com uma pequena ajuda, elas vão dominar o país, vão consertá-lo. Seria uma tragédia se o Taleban voltasse a oprimi-las."

A Skateistan é bem diferente das escolas normais - e não só por ensinar skate às meninas. Muitas crianças pobres não conseguem iniciar os estudos na idade correta, e ninguém quer entrar na primeira série aos 12 anos. O projeto oferece três anos de educação em apenas um, para que então as meninas e meninos possam ingressar na escola pública. Eles aprendem a ler, escrever, a fazer contas, a ter autoestima. Aprendem até os conceitos básicos do Corão, para que saibam quando alguém mente sobre o que está escrito no livro sagrado.

A autorização para filmar na Skateistan foi demorada porque havia uma série de medidas a serem tomadas, para segurança das crianças e professores. Não podia haver nenhuma indicação de onde fica a escola, e a família inteira das crianças que aparecem tinha de concordar com a participação. "Mas eu tenho muito orgulho, porque tudo parece que foi feito sem esforço. Parece livre e divertido", disse Dysinger. De fato: o filme dá a impressão de ser um registro quase espontâneo da vida daquelas crianças. Claro que isso tem a ver com o fato de a diretora - e toda a sua equipe - ser feminina. "Como mulheres, conseguíamos desaparecer, o que não ocorreria com homens."

Carol Dysinger sabe que a Guerra do Afeganistão, que se arrasta há 19 anos, é uma questão complexa e polêmica. O governo dos Estados Unidos está em negociações com o Taleban para um acordo de paz, e, na sexta-feira, o presidente Donald Trump tuitou, de surpresa, que queria retirar as tropas do país até o fim do ano. "Independentemente da sua ideologia, eu queria dizer que vale a pena salvar essas garotas. O futuro do Afeganistão está nas mãos delas. E o Afeganistão merece um futuro melhor. Gostaria que todos pudessem visitar, comer as frutas, andar nas montanhas, ver os azulejos, ouvir a poesia. É um lugar maravilhoso, com pessoas incríveis. Espero que, pelo menos, apoiem o projeto do Skateistan, porque vale a pena."
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

(Com Agência Estado)