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Sexta-feira, 22 de Maio de 2020, 07h:58

Mestre Hilário Gorgonho de Oliveira

NEILA BARRETO

Divulgação

Neila Barreto

Era um menino magro, canela fina, vestindo calças curtas e calçado com uma enorme botina gomeira, no dia em que se apresentou para o serviço no saneamento de Cuiabá, como servente, da antiga Empresa de Força, Luz e Água de Cuiabá – EFLA -, em 1954, filho de Severiano Gorgonho de Oliveira e Gertrudes Paes, no Distrito de Coxipó do Ouro, em Cuiabá. Uma memória do saneamento a ser referenciada em Mato Grosso.

Em 1978, com 24 anos de saneamento, fez um depoimento ao jornal interno da Sanemat, o BIM – Boletim Informativo Mensal, editado pela comunicação da antiga Sanemat – Companhia de Saneamento do Estado de Mato Grosso, como um dos três mais antigos empregados. Os outros dois eram Mestre Álvaro Procramácio de Moraes e Benedito Geraldino e outros.

Nos idos de 1954, quando Hilário Gorgonho de Oliveira começou a trabalhar na EFLA -, ganhando menos de um conto de réis por mês, não se contentou em ficar como servente e, procurou meios de se encostar na oficina eletromecânica onde aprendeu, depressa o ofício em elétrica e mecânica. Com o desmembramento da EFLA em Companhia de Saneamento do Estado de Mato Grosso - SANEMAT e Centrais Elétricas Mato-grossenses – Cemat S/A, optou por permanecer na Sanemat, na década de 1960 até a sua privatização em 1999, quando se aposentou, uma vez que já conhecia muito de elétrica e mecânica.

Passou a ser “um faz tudo” na empresa, nas áreas técnicas. Quando não estava trabalhando como operador de bomba hidráulica, exercia a função de operador de estação rebaixadora de energia elétrica ou responsável pelo sistema de captação de água bruta da Hidráulica do Porto, existente até hoje, na capital. É dessa hidráulica que derivou o primeiro sistema de abastecimento público de água, sem tratamento, até o reservatório da Caixa d´Água Velha, hoje, Museu.

Em 1964, contou Mestre Hilário que fez um curso de especialização na Escola Técnica Federal de Mato Grosso, atual IFMT – Instituto Federal de Mato Grosso, para eletricista e bombeiro hidráulico, onde pode aprimorar o aprendizado conquistado no dia a dia do seu trabalho. Foi eleito funcionário padrão da Sanemat no final de 1970 e início de 1980.

Em 1972, passou a prestar os seus primorosos serviços nas unidades descentralizadas da Cia, ou seja, nas cidades do interior do Estado de Mato Grosso, ainda uno, naquela época, trabalho este que desenvolveu até a sua aposentadoria. Naqueles tempos, a estrutura administrativa da empresa era simples, não existindo nenhum dos serviços e divisões.

Sacrificou sua vida várias vezes pela Companhia, inclusive, na grande enchente do rio Cuiabá, em 1974 e outras, tendo o seu corpo todo queimado, em acidente de trabalho, com altas descargas elétricas na mobilização de equipamentos e instalações elétricas de funcionamento de bombas que mandavam água para abastecer a cidade, feita na Hidráulica do Porto, cujo objetivo era não privar a população cuiabana de abastecimento de água tratada, salvando os equipamentos elétricos, o que lhe valeu um problema em seu pé, nada que o impediu de dar continuidade ao seu trabalho.

Hilário Gorgonho de Oliveira contava que, teve momentos de alegria e de tristezas nos anos de serviços, sendo uma das suas maiores satisfações acontecidas em 1975, a qual ele testemunhou assim: “Foi no início da atual administração (governo José Garcia Neto e Presidente da Sanemat – Eng. José Luiz de Borges Garcia). Como era natural, todos os empregados antigos estavam apreensivos, e, tive o maior susto de minha vida como empregado no dia em que o diretor Presidente mandou me chamar à sua presença. Pensei no pior, mas a minha surpresa foi grande, quando ele me perguntou qual era a necessidade mais urgente para o sistema de Cuiabá. Respirei fundo – continuou Hilário e respondi ao Dr. José Luiz que era a montagem urgente de quatro quadros de comandos para a Captação de Água Bruta do Lipa. Como empregado, esse foi o dia em que eu me senti plenamente realizado”. A Captação do Ribeirão do Lipa Engº Domingos Iglesias Valério é a principal fonte de captação de água bruta da capital, até os dias atuais.

Hilário Gorgonho participou de todos os grandes trabalhos da Sanemat. Esteve presente nas montagens das Estações de Tratamento de Água compactas de Porto Murtinho e Miranda, hoje Mato Grosso do Sul e, foi a solução encontrada pela empresa CODRASA, à época. Dedicou-se às interligações das Estações de Tratamento – Eng. José Brunello Bombana (ETA I), localizada na Avenida Presidente Marques e a Estação de Tratamento de Água “Homem de Mello” (ETA II), localizada na Avenida São Sebastião, ambas na capital, à época em que foram construídas.

Em 1975 Hilário Gorgonho possuía 38 anos, já era pai e, ao longo do tempo, se constituíram em seis filhos. Sentia-se satisfeito em pertencer à grande equipe da Sanemat. Disse que “ desde o primeiro dia de trabalho, em 1954, até esta data (1978), tem visto modificações na empresa, mas que, de 1975 para cá sentiu que, agora, estava fazendo parte de uma companhia verdadeiramente grande e organizada. A gente tem orgulho em pertencer a Sanemat, pois nós todos já sabemos que ela está entre as 10 maiores empresas do País (1975 a 1999). Sou um cuiabano orgulhoso de minha terra e do meu serviço”, concluiu.

Humilde, um tanto acanhado, Hilário continuando, em seu depoimento acrescentou: “sabe de uma coisa, antigamente a gente sentia vergonha, quando, por acaso, acontecia de aparecer por aqui algum representante de outras empresas de saneamento. Hoje não, sentimos orgulho”.

De acordo com memórias do engenheiro Noé Rafael da Silva, ex- engenheiro e ex diretor, da empresa, por várias vezes, da Sanemat, da Sanecap, da Cab Ambiental Cuiabá, nesse período de desmembramento, Mestre Hilário passou a comandar a primeira captação e estação de tratamento de água do Porto, experiência esta adquirida junto à Cemat. Com a construção da Estação de Tratamento de Água – ETA “ Homem de Mello” – (II-1970), o Mestre Hilário foi designado para ser o responsável pela administração, operação e manutenção da captação de água bruta “Eng. Domingos Iglesias Valério, no Ribeirão do Lipa, que contava com apenas dois conjuntos moto bombas de 300 CV – cavalo vapor, adquiridas da Bombas Esco, bem como, ficou responsável pela ETA II. Mais tarde, já na década de 1980, essas bombas foram trocadas pela marca Worthington. Na época veio um técnico dessa empresa para instalar as bombas. Observador, o Mestre Hilário, educadamente informou ao técnico que a bomba ao ser montada não iria funcionar porque ele havia detectado um problema no eixo, da bomba. Logo acatada a sugestão, o técnico agiu conforme os ensinamentos de Mestre Hilário e a situação foi sanada. Hoje na captação possui cinco conjuntos moto bombas, da mesma marca, com 500 CV, cada um, fornecendo água bruta para a Estação de Tratamento de Água “Homem de Melo”, na capital, que dali é distribuída à população, após tratamento.

O Mestre Hilário tomava conta das áreas elétricas e eletromecânicas das ETAs – I “Eng. José Brunello Bombana” e II – “Homem de Melo”, junto com os servidores Bartolomeu e Ítrio, os quais eram só mecânicos. Nesse período é que começaram a chegar na empresa os primeiros engenheiros elétricos, como Gonçalo, José Gonçalves e Otávio Peres Pini. Na verdade, esses engenheiros mais aprendiam com Mestre Hilário, do o conduzia, em função da sua experiência e estudos autodidatas que produziam, à exemplo de uma pane, um curto total, na ETA II, em um domingo, que eu tive que recorrer ao Mestre Hilário para resolver a situação. O Mestre estava passeando com a sua família, em momento de lazer, no Coxipó do Ouro. Imediatamente, ao ser informado, entrou no veículo e veio resolver a situação, por considerar que o abastecimento de água era um bem necessário à população. Naquela época ainda não havia o sistema de plantão na empresa, como há hoje. Era uma pessoa totalmente comprometida com o seu trabalho, informou Noé.

Tornou-se um profissional gabaritado e prestou com maestria os serviços na empresa, recebendo o título de Mestre, pelo conhecimento que acumulava, inclusive, repassando esses mesmos conhecimentos a outros técnicos e engenheiros, sobre operação e manutenção dos equipamentos eletromecânicos, além da capacidade de “criar” peças para os trabalhos que desenvolvia na empresa, em oportunidades de dificuldades. Sempre era convidado para proferir palestras técnicas aos alunos do curso de engenharia, na UFMT – Universidade Federal de Mato Grosso e na Escola Técnica Federal de Mato Grosso, a convite de vários engenheiros da Sanemat que, também, eram professores dessas Instituições e, reconheciam nele, a competência do Mestre, adquirida no dia a dia da sua labuta. Entre esses professores estavam os engenheiros Noé Rafael da Silva, engenheiro químico, Jorcy Francisco de França Aguiar, engenheiro eletricista e Rubem Mauro Palma de Moura, engenheiro e especialista em hidráulica e saneamento e o engenheiro Marco Aurélio de Carvalho.

Entre os anos de 2002 a 2005, com muita satisfação, ajudou-me nas informações para a conclusão do meu Mestrado sobre Água de Beber, em Cuiabá e em trabalhos de montagem do Museu do Morro da Caixa d`Água Velha, uma vez que prestou serviço lá e, conhecida muito bem a casa, mesmo não sendo mais empregado do saneamento. Agradecimentos eternos. As crianças que visitam o Museu do Morro da Caixa d´Água Velha, agradecem a Mestre Hilário!

Mestre Hilário Gorgonho de Oliveira nasceu em 30 de dezembro de 1939. Em sua homenagem, a SANECAP – Companhia de Saneamento da Capital, na gestão da Engª. Eliana Beatriz Nunes Rondon Lima, eternizou o seu nome junto à Captação de Água Bruta, no rio Coxipó, junto à Estação de Tratamento de Água “Eng. Sátiro Pholl de Moreira Castilho”, a conhecida ETA Tijucal, localizada no Bairro Tijucal, em Cuiabá.

Mestre Hilário faleceu em 01/07/2018, logo depois que se aposentou.   Era casado com Maria Jovita de Oliveira, com quem teve os filhos: Miguel Lino Gorgonho de Oliveira, Hilma Gorgonho de Oliveira, Bezair Felicidade de Oliveira, José Gorgonho de Oliveira, hoje servidor da Águas Cuiabá, Júlio Domingos Gorgonho de Oliveira e Levi Gorgonho de Oliveira, deixando netos e bisnetos.

Mestre Hilário possuía uma caixa de ferramenta que era a sua companheira inseparável. Por onde ia, a caixa estava lá, no porta malas do seu carro, mesmo que o destino fosse, um lazer. Descanse em paz Mestre! Nossas homenagens e reconhecimentos.    

 

(*) NEILA BARRETO é jornalista, escritora, historiadora e Mestre em História e escreve às sextas-feiras para HiperNotíciasE-mail: [email protected]